ARTIGO: A reforma administrativa (PEC-38) representa um grave ataque ao Estado Democrático de Direito
Por: Por Marcos Trombeta

A PEC 38/2025 é uma reedição da PEC 32/2020, que foi combatida e derrotada na ocasião. A reforma administrativa deve ser vista como ela efetivamente é: um grave ataque não somente aos servidores públicos, mas também aos serviços públicos, aos direitos sociais, à classe trabalhadora.
E também ao Estado Democrático de Direito, que tem a função social de ser o garantidor da dignidade da pessoa humana e dos direitos sociais previstos na Constituição Federal. Os quais são materializados pelos serviços públicos – como saúde, educação, assistência social, previdência social, proteção do meio ambiente, segurança pública, efetivação de direitos trabalhistas, dentre outros. Não há serviços públicos sem servidores, então ataques ao funcionalismo são ataques aos serviços públicos e, portanto, aos direitos sociais dos quais a população brasileira tem previsão constitucional e muitas vezes não consegue ter assegurados.
Atualmente já está vigente uma lógica perigosa de submissão dos interesses da população aos do mercado financeiro, por meio do sistema da dívida, mecanismo denunciado pela Auditoria Cidadã da Dívida e que consiste na transferência para instituições financeiras de recursos da União, estados e municípios que poderiam ser investidos nos serviços públicos. Mais de 40% do orçamento público federal é drenado pelo sistema dívida, o que significa que parcela expressiva do orçamento que poderiam ser investidos em serviços públicos são destinados para enriquecer ainda mais o sistema financeiro. A reforma administrativa tem por finalidade a radicalização desta lógica nociva ao nosso país.
Estes são os elementos por trás da campanha difamatória empreendida pela grande mídia tradicional contra os servidores públicos, que consiste em “criminalização” generalizada das categorias do setor público, como se estes fossem “privilegiados” e recebessem “supersalários”, quando escondem a drenagem de recursos pelo sistema da dívida. Escondem, de forma proposital, que a grande maioria dos servidores está submetida a sobrecarga de trabalho, assédio moral institucional, adoecimento e que não recebe vencimentos vultosos. Ao contrário, a maioria está com salários defasados, já que o direito à data-base, previsto na Constituição, simplesmente não é respeitado, o que obriga as categorias a, periodicamente, lutarem por meros reajustes contra as perdas inflacionárias.
A propaganda enganosa ainda veicula o mito do suposto Estado “inchado” – mentira que não se sustenta, uma vez que no Brasil há proporcionalmente menos servidores públicos por 100 mil habitantes do que em muitos países da Europa e Estados Unidos, e também na América Latina, como Argentina e Uruguai. A quantidade de servidores públicos no Brasil fica em torno de 12,4% do total de trabalhadores e nos países da OCDE a média é quase o dobro. A rigor, com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, e diante de muitos problemas socioeconômicos, a quantidade de servidores públicos deveria ser muito maior.
Ainda compõe parte do discurso difamatório, a suposta ineficiência do Estado para prestação de serviços e a defesa de privatizações. Serviços públicos não devem ser vistos como fontes de lucros. Devem ser prestados à população independentemente do resultado econômico, como imperativo do princípio da dignidade humana. Recentemente, observamos em países da Europa um processo de reestatização de serviços de água e energia privatizados décadas atrás. As consequências das privatizações foram as esperadas: aumento das tarifas, para satisfazer o lucro privado, e a deterioração dos serviços.
Essa propaganda contra os servidores tem por finalidade enganar a população para angariar apoio para a agenda reformista, já que significará menos recursos para os direitos sociais, que serão destinados para a elite que controla o sistema financeiro.
O ataque contra os direitos sociais, via reforma administrativa, é mais um capítulo de um processo de ataque mais amplo contra o povo brasileiro, que já contou com outros anteriores, como a reforma trabalhista e a reforma da previdência, que serviram somente para retirar direitos e precarizar ainda mais as condições de vida dos brasileiros, apesar das falsas promessas de criação de milhões de empregos e melhorias na economia. Ao longo deste processo de destruição de direitos, as falsas promessas nunca se concretizam.
Devemos destacar que a estabilidade é uma necessidade para garantia da adequada prestação dos serviços públicos, para que os servidores possam trabalhar de forma técnica e imparcial, livre de interferências políticas. Uma proteção à população. Atacar a estabilidade é atacar o interesse público.
Ataques contra os direitos dos servidores também devem ser vistos como ataques à classe trabalhadora, já que as categorias do serviço público ainda conseguem manter um mínimo de organização por meio de seus sindicatos para lutar. Quando direitos dos servidores são retirados, abre-se maior margem para ataques contra os demais trabalhadores.
Em decorrência desta agenda de destruição de direitos, as condições gerais de trabalho, especialmente no setor privado, são muito difíceis, haja vista a degradante escala 6 por 1, o qual se busca superar para garantir condições mais dignas de trabalho. É necessário colocar um limite a este estado de coisas em que a cada momento mais direitos são destruídos!
O ataque materializado na PEC 38/2025 tende a desestruturar a organização do Estado, retirar direitos e precarizar ainda mais os serviços públicos. Deve ser denunciado como ataque à democracia e ao povo brasileiro. A reforma administrativa deve ser enfrentada, derrotada e enterrada de vez, pelo bem do nosso país.
Marcos Yamamoto Trombeta é oficial de justiça lotado na Central Unificada de Mandados da Justiça Federal na capital paulista, dirigente do Sintrajud e da Associação do segmento, a Assojaf-SP.




