Impactos para os serviços públicos da IA, arcabouço fiscal e dívida também foram pauta do Conselho de Base
Por: Luciana Araujo

Na parte da tarde, o Conselho de Base reunido neste sábado (04 de outubro) discutiu como o arcabouço fiscal e o sistema da dívida pública engessam os serviços públicos, impactam em ataques a servidoras/es e favorecem a corrupção. O advento da inteligência artificial e seus reflexos para as carreiras e o papel do Estado também foram tema da pauta, com a presença de Maria Lúcia Fattorelli e Gustavo Machado.
A auditora fiscal aposentada Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, destacou que a politica de remuneração de grandes credores do Estado brasileiro parece um tema distante da população, mas impacta diretamente nas vidas do/a cidadão/ã comum. "Estamos vendo agora o risco de revogação dos pisos [constitucionais] da saúde e educação", frisou Fattorelli, referindo-se aos percentuais mínimos estabelecidos na Constituição de 1988 para investimentos da União, estados e municípios em direitos fundamentais, que o Ministério da Fazenda cogita extinguir (leia mais aqui).
Maria Lúcia também destacou que com o consumo de cerca de 40% do Orçamento Federal anual pelo sistema da dívida, fica mais difícil "a perspectiva de atendimento a demandas de reajuste e carreira. Ao contrário, o que estamos vendo é a proposta de reforma administrativa. Por isso é fundamental enfrentar o sistema da dívida, que deveria ser um mecanismo muito importante para financiar o bem-estar da sociedade, mas quando a gente começa a investigar vê que não é isso que acontece".
O que a auditora denomina "sistema da dívida" é o conjunto de mecanismos de remuneração do capital, incluindo juros elevados, a transformação de dívidas privadas em públicas e a emissão de títulos públocos para pagar mais juros. "O sistema da dívida corrói todas as estruturas do Estado, inclusive o Judiciário [que hoje representa 0,30% do Orçamento da União]", afirmou Maria Lúcia.
A auditora trouxe ao debate também a resposta do Tribunal de Contas da União a consulta realizada pelo Legislativo Federal sobre a inexistência de benefícios para a sociedade do atual sistema de endividamento. "O TCU já confirmou que a dívida pública não tem nenhuma contrapartida. 'Nenhuma despesa orçamentária classificada como investimento foi custeada pelo sistema da dívida' afirmou referindo ao documento do Tribunal.
"Então para quê ela está servindo? Para retroalimentar o próprio sistema da dívida e justificar teto de gastos, arcabouço fiscal, contrarreformas, privatizações", completou.
A auditora também apresentou um gráfico evidenciando o encolhimento dos investimentos com servidoras/es públicas/os. "O gasto com pessoal vem caindo porque sequer reposição inflacionária as categorias estão tendo", demonstrou. [O texto continua após a imagem]
"No ano passado, o valor gasto com pessoal do Judiciário em percentual do PIB [conjunto das riquezas produzidas num ano] foi menor que o do ano 2000, quando o presidente da República era Fernando Henrique Cardoso, em valores atualizados pelo IPCA", denunciou (clique aqui e faça o download do gráfico e da apresentação na íntegra).
"E com o teto de gastos, mantido pelo arcabouço fiscal, os recordes de arrecadação estão indo para o pagamento da dívida", disse Fattorelli.
Ainda de acordo com a auditora aposentada, o Brasil tem hoje R$ 5 trilhões na conta única do Tesouro, caixa do Banco Central e reservas internacionais que têm sido reservados prioritariamente ao sistema da dívida, que consome quase metade do orçamento anual, inclusive lucros das estatais. "Quando se anunciam os lucros da Petrobras, esse dinheiro não vai para investimentos, vai para o sistema da dívida", disse.
Maria Lúcia também denunciou o que denomina como a remuneração diária da sobra de caixa de bancos. "A bolsa banqueiro tem custado mais de R$ 230 bilhões nos ultimos anos", disse.
Para a auditora, a própria transferência de recursos públicos para fins privados é uma forma de corrupção. E quem paga a conta são os trabalhadores e trabalhadoras. "A elite financeira quer congelar o salário mínimo e a elite política quer reforma administrativa e da previdência. E no caso da reforma administrativa a gente não sabe nem se haverá comissão especial ou vão aprovar a urgência para votar ainda neste ano", afirmou.
Para Fattorelli, "estamos perpetuando o modelo econômico produtor de escassez. Com esse desmonte do Estado, a pessoa que vai deixar de pagar imposto de renda vai ter que procurar saúde e educação privadas", afirmou, referindo-se à recente aprovação da isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil por mês.
Limitar os juros
A Auditoria Cidadã tem um projeto de lei para estabelecer um limite às taxas de juros em contratos e operações financeiras (PLP 104/2022), que foi apensado ao PLP 52/2003, mas está parado na Câmara dos Deputados desde 2022. Em abril o deputado Gilberto Abramo (Republicanos/MG) foi designado relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), mas ainda não o parlamentar ainda não apresentou parecer. Enquanto tramita, a propositura pode receber apoio popular. Você pode registrar que CONCORDA PLENAMENTE com o PLP 104/2022 clicando aqui.
Compreender os impactos da IA para reverter seus ganhos para a sociedade
O cientista da computação e doutor em filosofia política Gustavo Machado, pesquisador do ILAESE – Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos – também abordou as implicações da inteligência artificial para os serviços públicos e servidoras/es. E fez questão de destacar que a luta não é contra a tecnologia, mas para adequar seu uso aos interesses sociais.
"É Importante não ter uma batalha ludista contra a IA, que é uma ferramenta extraordinária, o problema é o sistema que utiliza essa técnica. O problema não é a ferramenta, mas que ela é usada para setor privado e cortes de gastos no serviço público para remunerar o capital", afirmou.
Gustavo frisou também que é preciso compreender que a IA não substitui o trabalho humano por tecnologia, ela torna a atividade mais produtiva. "Os servidores não vão deixar de fazer as tarefas, mas haverá um ganho de produtividade [para o Poder extraída dos trabalhadores] assombroso".
O especialista explicou ainda que a redução dos postos de trabalho e precarização impactadas pela IA vêm da reprodução acelerada de conhecimento já gerado. Especialmente nos setores mais especializados e qualificados, como o Judiciário, onde a inteligência artificial permite, por exemplo, analisar mais rapidamente a jurisprudência e sugerir argumentos com base em casos anteriores reduzindo o tempo de resolução de tarefas e liberando tempo para outras atividades.
"A IA poderia reduzir a jornada de trabalho, liberar tempo para os trabalhadores e garantir soberania tecnológica. Mas a produção de riqueza que ela gera é apropriada por poucos", concluiu. Baixe aqui a apresentação de Gustavo.