Ao confirmar decisão contra RJU, STF alimenta reforma que ameaça serviços públicos
Por: Hélcio Duarte Filho

Servidores e servidoras públicas federais preparam uma maratona de atividades que buscam impedir a aprovação da ‘reforma’ administrativa já tendo em pauta um desafio decorrente de uma controversa imposição do Supremo Tribunal Federal: a definição de que é válida a mudança constitucional que pôs fim à exclusividade de regimes trabalhistas estatutários e únicos nas três esferas dos serviços públicos como critério de ingresso nas carreiras do funcionalismo.
Em agosto, o STF rejeitou os embargos de declaração que pediam a revisão da decisão proferida em novembro de 2024, quando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135, que trata do Regime Jurídico Único (RJU) para servidoras e servidores, foi considerada improcedente.
Uma nova reforma administrativa está sendo articulada na Câmara dos Deputados, por meio de um grupo de trabalho criado pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). A mais recente decisão do STF sacramenta o que a diretoria do Sintrajud considera um brutal ataque aos serviços e servidores públicos.
“O Poder Judiciário, ao flexibilizar e permitir outras formas de contratação por fora do RJU no serviço público, deu o pontapé inicial da reforma administrativa. Isso demonstra que todos os poderes estão alinhados para atacar os servidores e os serviços públicos das três esferas”, disse Ana Luiza Figueiredo Gomes, que integra a direção do Sindicato.
Temporários
Também tramitam no Congresso Nacional outros dois projetos de lei que tratam de temas relacionados à gestão pública. São o PL 3069/2025, de autoria da deputada Tábata Amaral (PDT-SP), que está na Câmara, e o PL 3086/2025, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), este no Senado.
Ambos abordam a norma geral nacional sobre as contratações temporárias no setor público, os chamados agentes públicos especiais. Ainda que as propostas busquem assegurar direitos fundamentais e falem em transparência nas contratações temporárias, as suas origens inevitavelmente remetem a uma realidade de desmonte e ataques a conquistas como a estabilidade.
Estabilidade sob ameaça
A diretora do Sintrajud Camilla Oliveira avalia que o STF se encarregou de reafirmar, com a quebra do RJU, o ataque à estabilidade que servidoras e servidores conseguiram barrar com grandes mobilizações contra a PEC-32 em 2021, durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro, hoje réu por tentativa de golpe, entre outros crimes, no próprio Supremo Tribunal Federal.
“Desde o impeachment de Dilma, a classe trabalhadora sofre duros golpes com perda de direitos, reforma trabalhista, reforma da Previdência, e a ameaça da reforma administrativa, que conseguimos barrar com muita luta no governo Bolsonaro (PEC 32), que vem agora através do STF”, recorda.
Para a dirigente sidnical, a flexibilização do regime jurídico põe em risco não só o trabalho dos servidores, como a garantia da prestação de serviço que tenha como principal objetivo atender o interesse público que paga imposto e sustenta o país com o seu trabalho. “Quando tudo virar mercadoria, deixamos de ser cidadãos para ser clientes e encher o bolso da burguesia que lucra com privatizações e terceirização”, aponta.
A decisão
Os embargos de declaração, rejeitados pelo relator ministro Gilmar Mendes, são de autoria do Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A ADI 2135 foi ajuizada em 2000 pelos partidos PT, PDT, PCdoB e PSB contra a Emenda Constitucional 19/1998, base da reforma administrativa do governo de Fernando Henrique Cardoso, capitaneada pelo então Ministro da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira.
A EC 19/1998 alterou o artigo 39 da Constituição para permitir a coexistência dos regimes estatutário e celetista ou mesmo de outros regimes, porém a alteração nunca chegou, de fato,a ser aprovada em Plenário. Teria sido uma emenda feita no ‘tapetão’ pelo relator.
Em 2007, o STF concedeu liminar suspendendo os efeitos da emenda e estabelecendo o RJU como regime obrigatório. Em 2024, a maioria dos ministros do Tribunal entendeu que não houve irregularidades no processo legislativo de aprovação da emenda e extinguiu a exclusividade do regime estatutário como forma de contratação nos serviços públicos.
Mobilizar contra a reforma
É neste cenário que as entidades sindicais do funcionalismo buscam rearticular um forte movimento nacional, espelhado no que ocorreu em 2021 e impediu a aprovação da PEC-32.
A diretora do Sintrajud Isabella Leal ressalta a importância dessa luta e lembra que “a estabilidade dos servidores é o que garante o desempenho com independência e de maneira correta de suas funções, prezando por um serviço de qualidade a ser prestado”. A dirigente do Sindicato reafirma a avaliação de que a decisão do STF torna ainda mais importante construir uma grande mobilização nacional em defesa dos serviços públicos e dos direitos dos servidores e servidoras. É preciso, avalia, abraçar essa campanha e envolver toda a categoria nessa luta.